terça-feira, 11 de junho de 2013

REPORTAGEM ESPECIAL JORNAL A GAZETA

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09/06/2013 - 22h48 - Atualizado em 10/06/2013 - 12h19

 

Aumentam casos de alcoolismo entre mulheres e jovens /

É o que notam os Alcoólicos Anônimos, entidade que completa nesta segunda-feira, 78 anos de existência e que está espalhado em vários municípios do Estado

 

 

Cristiana Euclydes | ceuclydes@redegazeta.com.br
É cada vez maior a quantidade de mulheres e jovens com problemas de alcoolismo. Assim como apontam os dados de pesquisas de saúde, participantes das reuniões dos Alcoólicos Anônimos (AA) – entidade que hoje completa 78 anos de fundação – também percebem essa tendência. Para Maria (nome fictício, assim como todos os usados para as demais frequentadoras do AA entrevistadas nesta reportagem), muitas mulheres sentem-se sozinhas na fase a adulta e, quando percebem, já perderam o controle sobre a bebida. “Muita gente acha que alcoolismo é coisa de pobre e mendigo, mas pode acontecer com qualquer pessoa”, frisa Maria, que tem 63 anos, 22 deles participando de reuniões do AA.
Entre as mais jovens, as mulheres começam a beber por influência dos amigos. Há um ano no grupo, Ana, 25 anos, conta que não via o alcoolismo como uma doença. “Mas como acontece a quem tem diabetes: comer chocolate é muito bom, mas quem tem a doença sabe que não pode consumi-lo”, exemplifica.
Além disso, afirma Maria, o alcoólico é visto como um sem-vergonha, sem-moral, o que dificulta que as pessoas aceitem o problema. Na verdade, ele está doente, e não há cura. Por meio dos 12 passos sugeridos (veja mais nesta página), porém, há uma mudança de vida, que começa na aceitação da doença, passa por uma avaliação pessoal e segue na troca de experiências e transmissão da mensagem aos alcoólicos que ainda sofrem. O grupo desenvolve a espiritualidade, mas não é ligado a nenhuma religião.
Incentivo
A psicóloga Andrea Romanholi, que trabalha há 20 anos com saúde mental, álcool e outras drogas, explica que o álcool é uma droga não só aceita como também incentivada na sociedade. Isso contribui para o aumento de seu consumo, inclusive por parte de mulheres e jovens.
Segundo ela, são feitas muitas campanhas contra as drogas ilícitas, mas a prevenção do alcoolismo é deixada de lado. Ela aponta que cerca de 80% da população adulta já ingeriu álcool, e destes 12% são dependentes. “É uma parcela de uso e dependência muito maior do que de drogas ilícitas. O álcool é a mais usada, causa mais custo e problemas. Os prejuízos causados na sociedade são maiores que o do crack”, garante. Além dos problemas diretos, como a cirrose e outras complicações de saúde, há os acidentes de trânsito e violência doméstica provocadas pela ingestão de álcool.
Ana, 25 anos: “A perda, para mim, era moral”
Aos 16 anos, Ana (nome fictício) ingeriu bebida alcoólica pela primeira vez, nas festas do colégio, e gostou muito, porque tirava sua  inibição. Os destilados e a cerveja logo deram lugar à cachaça, ao uísque e ao conhaque.
“Muita gente perde bens materiais, mas para mim foi uma questão moral. Fazia coisas e não lembrava,   magoava as pessoas que gostam de mim. Dava mole para qualquer um, dançava até o chão, chegava ao bar duas horas da tarde e saía de madrugada”, conta.
Sua família começou a perceber mudanças em seu comportamento, e as cobranças aumentaram. Foi, então, que procurou o AA. Hoje, aos 25 anos, ela está há um ano na sobriedade e conta que a irmandade mudou a sua vida.

Luz a um problema sem resposta fácil

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Ilustração: Robson Vilalba

PENSAMENTO

Misturando experiência pessoal com investigação erudita e mitológica, Vicente de Britto Pereira expõe dimensão de problema inconveniente

Publicado em 08/06/2013 | SANDRO MOSER

A resposta ao problema “álcool e criação” não está dada em manuais. A relação entre o homem e a bebida, de tão ampla, pode ser analisada por meio de várias abordagens: mitológica, histórica, sociológica, filosófica, artística ou psicanalítica.

Inegável que o uso e abuso de bebidas alcoólicas influenciou de maneira indelével a formação das civilizações através da história. Em que medida e com que consequências, é uma discussão difícil de concluir.

Rebeldia e dor. Paixão e tragédia. Loucura e criação

Sem fazer diretamente uma apologia ao uso do álcool, nos ensaios de O Último Copo, o filósofo e sociólogo, Daniel Lins, analisa a arrebatadora presença da bebida no campo acidentado da existência humana.

O alcoolismo é um assunto desagradável. Quem não é afetado diretamente pelo problema (ainda que seja quase impossível não olhar para a própria família e/ou para o núcleo de amigos sem identificar alguém que esteja bebendo demais) finge que o assunto não é com ele.

A outra parte da humanidade – os alcoólatras na ativa – não podem nem ouvir falar da questão. Não admitir, em seu íntimo, o problema é um dos sintomas recorrentes da doença, segundo a literatura médica especializada.

Assim, não é simples estudar esta que é uma das mais antigas manifestações humanas e sua relação com a cultura e com o processo civilizatório sem escorregar em preconceitos ou na simplificação das respostas para que pareçam únicas e definitivas.

O G Ideias coloca o tema em debate a partir do confronto entre dois livros de ensaios publicados neste mês.

Ambos, com o mérito de serem ambiciosos exames do problema à luz de alta bibliografia da filosofia e da psicanálise, têm linguagem e abordagens, às vezes, complementares e, em grande, parte, opostas.

O primeiro livro é Ensaios sobre a Embriaguez (Record), de Vicente de Britto Pereira, que procura analisar o discurso e a busca do alcoolista. Nesse caminho, o autor observa como o uso do álcool, de maneira sutil e especial, se relaciona com a criação artística.

O outro é O Último Copo (Record), do filósofo, sociólogo e psicanalista francobrasileiro Daniel Lins, que, com texto e pensamento expressos com fervor inebriado, desafia os tabus do tema ao arrepio de qualquer moralismo.

Começando pelo primeiro livro, em um tom sóbrio e equilibrado, Pereira tenta com muita pesquisa e alguma dose de experiência pessoal “entender o comportamento dessas pessoas que, no fundo, ao procurar um renascimento, encontram o espectro da morte”.

No ensaio que abre o volume, ele parte da constatação de que o consumo de bebidas alcoólicas tomou a proporção de uma epidemia, tanto pelo número de pessoas que atinge e por sua presença diária e constante, quanto por seu caráter de banalidade.

A trágica premissa é corroborada por números da Organização Mundial de Saúde (OMS), que avaliou, em 2012, que cerca de 2 bilhões de pessoas consomem álcool regularmente em todo o mundo.

Deste universo, um contingente expressivo (cerca de 12% da população adulta) terá problemas sérios de dependência e de uso nocivo de bebidas.

A partir dessa inconveniente verdade, Pereira estuda a relação do álcool com os processos sociais. O autor admite que não há como negar os efeitos positivos das drogas e do álcool em termos de relaxamento, liberação de certas amarras pessoais, de criação de outras realidades e em manifestações artísticas.

Ele não admite, porém, que a excelência dessas manifestações artísticas se deva a ingestões pesadas de álcool, mas, sim, ao talento natural dessas pessoas, “pois de outro modo seria muito fácil se tornar um grande artista”.

“Entretanto, temos que lamentar que uma boa parte desses artistas nos deixem apenas alguns lampejos de suas criações devido, em grande parte, ao seu estilo de vida e morte, não nos brindando, por exemplo, com o que nos legaram um Picasso ou um Matisse com suas longas vidas.”

Entrevista

Vicente de Britto Pereira, ensaísta

Um inimigo sutil, íntimo e dissimulado

A relação do homem com o álcool é histórica, mística e cultural, mas tomou outra proporção na Grécia Antiga. Como esta influência clássica mudou a relação do Ocidente com o álcool?

O ensaio sobre o vinho na Grécia Antiga, centrado na figura contraditória do deus Dionísio, teve como objetivo ressaltar a importância que a cultura desta bebida teve para a história do pensamento ocidental em várias de suas manifestações.
Procurei, de um lado, mostrar como o vinho estava intimamente associado à vida, a uma vida boa, e à natureza, mas que devia ser tratado com todo o respeito e temor.

E, por outro lado, apresentar a verdadeira face do denominado “deus do vinho” e das práticas orgásticas, por meio de seus aspectos civilizatórios que marcaram profundamente nossa cultura, como, por exemplo, a mediação entre os deuses e os homens através da tragédia grega.

Álcool e inteligência humana são falsos aliados?

Na minha experiência, posso tranquilamente afirmar que as pessoas que buscam drogas e álcool são em geral bem dotadas. Daí, inclusive, vem parte das dificuldades em entendê-los adequadamente.

Para o senhor beber é um ato narcisista?

O tratamento que dei à questão do narcisismo em um dos meus ensaios procura mostrar que podem existir relações estreitas entre a dependência do álcool e feridas narcisísticas ocorridas na infância, sempre procurando qualificar adequadamente os conceitos modernos sobre narcisismo, e não versões corriqueiras do fenômeno.

O senhor cita em um capítulo a “sutileza” do alcoolismo em relação a outras formas de toxicomania. Quais são essas singularidades e por que elas são especialmente perigosas?

A sutileza do alcoolismo reside basicamente em alguns aspectos, como o longo tempo de convívio crescente e íntimo com seu objeto de desejo, a criação de uma nova história pessoal, a redefinição de suas relações com o “outro” e, enfim, seu caráter dissimulador, negativo e estranho.

O capítulo final trata da recuperação “possível” do alcoólatra. O senhor apresenta alguns périplos de esperança. Há recuperação possível? O senhor tem essa experiência pessoal?

O livro está todo baseado em minhas experiências e em minhas inquietações intelectuais. As bebidas alcoólicas fizeram parte de minha vida durante muito tempo, e já não o fazem há quase dez anos.

Como o senhor acha que o Estado deve interferir na decisão de homens adultos a respeito do que eles desejam ingerir? Qual é o seu ponto de vista sobre o papel do poder público no controle do abuso de álcool?

Os objetivos principais da minha pesquisa dizem respeito ao entendimento do discurso e da busca do alcoolista. Não foi minha pretensão propor políticas públicas sobre a matéria, e muito menos caminhos para a recuperação de pessoas com problemas com o álcool. Mas, sem querer entrar nesta seara, tenho certeza de que o Estado não está cumprindo com suas funções sociais de prevenção e controle do maior problema de saúde pública que existe no país.