Alcoólicos Anônimos sem dúvida alguma deve muito a alguns médicos que, desde o início, apoiaram-na firmemente.
Por outro lado, também é importante assinalar que o A.A. colaborou com um melhor conhecimento da medicina sobre o alcoolismo, divulgando o conceito de que fosse uma doença primária. Até então, imaginava-se que o alcoolismo fosse conseqüência de uma grande variedade de distúrbios psíquicos ou éticos-morais, que uma vez solucionados, poderiam levar o indivíduo novamente a um consumo moderado de álcool.
A moderna concepção de enfermidade começou com o Dr. William Silkworth, psiquiatra de um certo renome em Nova York que, observando a recuperação espetacular de um de seus pacientes, o co-fundador Bill W., formulou a teoria de que o alcoolismo poderia ser "como que uma alergia física, associada a uma obsessão mental". Desta forma, ficou registrada no Livro Azul.
A teoria do Dr. Silkworth tinha lógica: baseava-se em que haveria uma reação anormal no organismo do alcoólico ao álcool, de modo que ao consumi-lo surgia uma compulsão incontrolável por mais bebida. Desta forma o alcoolismo passou a ser visto por ele como uma doença crônica, isto é, incurável, que só poderia ser controlada pela abstinência desta substância. Clinicamente, funcionava como se fosse uma alergia.
Existe uma biografia de Bill W. publicada pelo GSO, com recente tradução para o espanhol, em que se relata com mais detalhes o primeiro encontro que ele teve com o Dr. Bob, falando dessa nova teoria médica e assim despertando o interesse de seu interlocutor. Desta forma, o que estava previsto para durar dez minutos, acabou rendendo muitas horas de conversa, a partir do momento em que o Dr. Bob viu despertar seu interesse científico e pessoal pelo assunto.
À medida que Alcoólicos Anônimos ia cada vez mais recuperando bêbados sem esperanças, crescia também o apoio à teoria da doença entre os médicos. A primeira grande instituição científica a admitir este fato foi a Associação Psiquiátrica Americana, presidida por um grande amigo de A.A., o Dr. Harry Tiebout. Em seguida vieram a Associação Médica Americana e, por pressões destas duas, finalmente a Organização Mundial de Saúde.
Passados sessenta anos, a concepção de que alcoolismo seja uma doença primária fortalece-se cada vez mais. Hoje, à luz dos novos conhecimentos de pesquisa médica, existem sólidos argumentos a favor de que algumas pessoas nascem com uma predisposição ao alcoolismo e de que ao associarem isto ao ato voluntário de beber sem moderação, desenvolvem uma capacidade de reagir ao álcool diferente das pessoas que não têm esse tipo de problema, tornando-se dependentes químicos do etanol. Na realidade, parece que as células nervosas de alguns indivíduos, por razões básicas ainda ignoradas, adaptam-se ao consumo exagerado de álcool tornando-se mais excitáveis, por diversos mecanismos neuro-químicos. Nesta condição, a falta de álcool detona uma síndrome de abstinência muito desconfortável e provoca uma compulsão física mais ou menos intensa, mas de qualquer forma progressiva.
Paralelamente, surge o hábito de associar alguns estados emocionais ao consumo de bebida, de tal forma que isto acaba também sendo compulsivo, dando origem a uma dependência psíquica. Assim, usando outras palavras, conseqüência do progresso científico no assunto, voltamos à concepção original de que o alcoolismo seria como "uma alergia física, associada a uma obsessão mental".
Vejam como as coisas evoluíram de forma paralela: talvez o Dr. Bob não se interessasse em ouvir o que Bill W. tinha para lhe contar, não fosse a referência à teoria científica do Dr. Silkworth. Mas quando ouviu, e o A.A. foi fundado, os resultados influenciaram outros médicos a pesquisar o assunto e em concordar com os Alcoólicos Anônimos, encaminhando seus pacientes até seus Grupos, surgindo um antigo e profícuo vínculo de colaboração entre Alcoólicos Anônimos e a classe médica que hoje aumenta cada vez mais, em benefício do alcoólico que ainda sofre.
(Dr. Alberto Duringer L. da Silva) ** In Memorian
(VIVÊNCIA nº 44 Nov/Dez 96)
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