segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Unicidade de Propósito – AA - NA

VIVÊNCIA
REVISTA BRASILEIRA DE ALCOÓLICOS ANÔNIMOS Nº 63 - JAN/ FEV 2000


Apresentamos esse artigo dentro do espírito de nossa Sexta Tradição - não para endossar o "empreendimento alheio", e sim abordar tópicos que dizem respeito a todos os membros de A.A.


Narcóticos Anônimos, Conselho de Curadores para Serviços Mundiais


ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE NOSSO RELACIONAMENTO COM ALCOÓLICOS ANÔNIMOS.

A forma como NA se relaciona com todas as outras irmandades e organizações podem gerar controvérsia dentro de nossa irmandade. Embora haja uma política estabelecida de "cooperação sem afiliação", a confusão permanece no que se refere às outras irmandades. Uma questão bastante delicada envolve nosso relacionamento com a irmandade de Alcoólicos Anônimos. O Conselho de Curadores para Serviços Mundiais de NA costuma receber cartas que versam sobre a mais variada gama de perguntas acerca desse relacionamento.
Narcóticos Anônimos foi criado com base em Alcoólicos Anônimos. Quase todas as comunidades de NA que existem, apoiaram-se, de alguma forma, em A.A., durante seu período de formação. Nosso relacionamento com A.A. tem sido muito verdadeiro e dinâmico ao longo dos anos. Nossa irmandade como um todo resultou da dúvida existente em A.A., sobre o que fazer com os adictos que batiam à sua porta. Voltaremos um pouco às origens , em busca de uma perspectiva de nosso atual relacionamento com A.A.
Bill W., um dos co-fundadores de A.A. , sempre dizia que um dos maiores sustentáculos de sua irmandade era a unicidade de propósito, ou seja, mirar somente um aspecto. Limitando seu propósito primordial a levar a mensagem aos alcoólicos e evitando assim qualquer outra atividade, A.A. é capaz de se desincumbir dessa tarefa de uma forma extremamente eficaz. O clima de identificação é preservado pela unicidade de propósito, e o alcoólico encontra então a ajuda de que necessita.
Desde seu mais remoto início, A.A. foi confrontado com uma situação bastante complicada: "O que fazer com os dependentes químicos que nos procuravam? Desejamos manter nosso foco no álcool para que a mensagem seja levada ao alcoólico, mas os adictos que aqui chegam, falam sobre drogas, e, inadvertidamente enfraquecem nosso clima de identificação." Os Doze Passos e o Livro Azul já haviam sido escritos - o que mais se esperava que eles fizessem? Que novamente os reescrevessem? Permitir que o clima de identificação se diluísse e que o sentido de pertencer a A.A. se perdesse? Expulsar aquelas pessoas agonizantes para que morressem na rua? Deve ter sido uma situação extremamente complexa para A.A.
Quando A.A. finalmente estudou o problema de forma cuidadosa e tomou uma posição através de sua literatura, a solução por eles encontrada foi mais uma prova de seu bom senso e sabedoria. Prometeram seu apoio num espírito de "cooperação, mas não
afiliação". Essa solução de grande visão para uma questão tão complexa preparou o terreno para o surgimento da irmandade de Narcóticos Anônimos.
Entretanto, o problema que A.A gostaria de evitar teria de ser comunicado individualmente a cada grupo que tentasse adaptar seu programa de recuperação para dependentes químicos (adictos). Como conseguir então o clima de identificação indispensável para a rendição e a conseqüente recuperação, caso fosse permitido acolher os mais diversos tipos de dependência? Seria possível para um dependente de heroína se relacionar com facilidade com outros dependentes cujo problema fosse o álcool, maconha ou tranqüilizantes? Como seria conseguida a Unidade, que, segundo a Primeira Tradição, é fundamental para a recuperação? Nossa Irmandade (NA) herdou então um árduo dilema.
Para que se tenha idéia de como A.A. lidou com o problema, voltemos um pouco para a sua história. Uma segunda coisa sobre a qual Bill W. sempre falava e escrevia, era o que ele chamava de "gol de placa" de sua irmandade - as palavras do Terceiro e Décimo Primeiro Passos. A grande área da espiritualidade versus religião era tão complexa para eles assim como a unicidade de enfoque o era para nós. Bill costumava contar como o simples fato de acrescentar "na forma em que O concebíamos" depois da palavra "Deus", liquidou por completo com toda a controvérsia a esse respeito. Um simples quesito, que tinha potencial para dividir e destruir A.A., transformou-se num dos maiores alicerces de seu programa.
À medida que os fundadores de Narcóticos Anônimos adaptaram os Passos de A.A., chegaram também a um "gol de placa" de importância equivalente. Ao invés de adaptar o Primeiro Passo de forma lógica e natural ("Admitimos que somos impotentes perante as drogas"), eles fizeram aí uma mudança radical: Escreveram assim: "Admitimos que somos impotentes perante a nossa adicção." Existe um grande número de drogas e o uso de qualquer delas é apenas o sintoma de nossa doença. Quando os adictos se reúnem e enfocam as drogas, normalmente estão enfocando suas diferenças, pois cada um deles usa um tipo de combinação de drogas. A única coisa que todos eles tem em comum é a doença da adicção. Com aquela simples mudança na frase, foi criada a irmandade de Narcóticos Anônimos.
Nosso Primeiro Passo (NA) dá-nos um foco: nossa adicção. As palavras do Passo Um enfocam também nossa impotência perante os sintomas da doença. A frase "impotentes perante nossa adicção" engloba tanto os veteranos quanto os recém-chegados. Nossa adicção vem novamente à tona e causa descontrole de pensamentos e sentimentos sempre que descuidamos de nosso programa de recuperação. Esse processo nada tem a ver com a "droga de preferência". Estamos alerta contra a recorrência do nosso uso de droga aplicando nossos princípios espirituais antes de uma recaída. Nosso Primeiro Passo se aplica independentemente da "droga de preferência" e do tempo em que estamos limpos. Tendo esse "gol de placa" como embasamento, NA floresceu como importante organização mundial, enfocando claramente a adicção.
À medida que a comunidade de NA amadureceu através de um melhor conhecimento de seus próprios princípios (o Passo Um em particular), um fato interessante se apresentou. A perspectiva de A.A., enfocando o álcool, e a abordagem de NA, não enfocando nenhuma droga específica, não podem ser confundidas (misturadas). Quando tentamos misturá-las enfrentamos os mesmos problemas que A.A. teve conosco. Quando nossos membros se identificam como "adictos e alcoólicos", ou falam sobre "sobriedade" e viver "limpo e sóbrio", a clareza da mensagem de NA é truncada. Esse linguajar sugere a existência de duas doenças e que cada droga é diferente da outra, como se houvesse necessidade de terminologias diferenciadas toda vez que a adicção fosse discutida. À primeira vista, o fato parece de somenos importância, contudo nossa experiência mostra que o impacto da mensagem de NA é claramente atenuado por essa confusão semântica aparentemente tão sutil.
Ficou bem claro que tanto nossa compreensão quanto nossa unidade, assim como a nossa rendição "ampla, total e irrestrita" como adictos que somos, depende de um entendimento límpido e cristalino de nossos princípios mais fundamentais: somos impotentes perante uma doença que piora progressivamente mediante o uso de qualquer droga. Não importa qual fosse a nossa "droga de preferência" ao ingressarmos; qualquer droga que usarmos acionará novamente a doença. Recuperamo-nos da doença da adicção aplicando nossos Doze Passos. Nossos Passos foram escritos especialmente para transmitir claramente a mensagem, portanto, todo o resto de nossa linguagem de recuperação precisa ser tão consistente quanto eles. Não podemos misturar esses princípios fundamentais com aqueles da organização co-irmã, sem que nossa própria mensagem seja truncada.
Ambas as irmandades têm sua Sexta Tradição, para que possam conservar suas respectivas características e impedir que se afastem do seu propósito primordial. Uma irmandade de Doze Passos possui uma necessidade inerente de enfocar um único propósito, de forma a fazê-lo de um modo eficaz; cada irmandade de Doze Passos deve ser independente e não filiada a nenhuma outra atividade. A separação faz parte de nossa natureza, assim como o uso de terminologia própria, pois cada uma delas tem seu único e diferenciado propósito. O alcoolismo é o enfoque de A.A., e nós devemos respeitar o nosso próprio propósito e identificarmo-nos em nossas reuniões como adictos simplesmente, e fazer nossas partilhas de forma que a nossa mensagem seja clara.
Como irmandade, devemos nos empenhar cada vez mais em evoluir, sem nos atermos teimosamente a nenhuma radicalidade. Aqueles companheiros que estavam truncando (ainda que sem intenção) a mensagem de NA, usando termos como "sobriedade", "alcoólico," "limpo e sóbrio," "viciado em drogas" etc, poderiam contribuir bastante identificando-se claramente como adictos e passando a usar as palavras "limpo," "tempo limpo," e "recuperação", as quais não especificam nenhuma substância em particular. Todos nós podemos ajudar, citando nas reuniões apenas a nossa literatura, e evitando com isso implicações de qualquer endosso ou afiliação. Nossos princípios são auto-sustentáveis. Pelo bem de nosso desenvolvimento como irmandade e a recuperação individual de nossos membros, nossa abordagem dos problemas da adicção deve transparecer claramente em tudo o que fazemos ou falamos nas reuniões.
Membros de NA que costumavam usar esses argumentos no sentido de racionalizar e também cristalizar uma posição anti-A.A., conseguiram com isso desestabilizar companheiros veteranos e bastante ativos dentro da Irmandade. Melhor fariam eles se reavaliassem e reconsiderassem os efeitos danosos desse tipo de comportamento. Narcóticos Anônimos é uma irmandade espiritualizada. Amor, tolerância, paciência, e compreensão são essenciais na consolidação de nossos princípios.
Vamos canalizar energias em direção ao nosso desenvolvimento espiritual pessoal, através dos nossos Doze Passos. Levemos nossa mensagem de forma clara. Há muito trabalho e fazer e precisaremos muito uns dos outros para que haja eficácia. Vamos buscar o espírito de unidade de NA.
(Narcóticos Anônimos, Conselho de Curadores para Serviços Mundiais, Boletim 13 - novembro de 1985)
(VIVÊNCIA Nº 63 - Jan /Fev 2000)

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