VIVÊNCIA
REVISTA BRASILEIRA DE ALCOÓLICOS ANÔNIMOS Nº 34 - MAR / ABR 1995
A Mulher e o Terceiro Legado
O que é exatamente o Terceiro Legado?
A resposta é simples: um serviço em A.A. é qualquer coisa que nos ajuda a alcançar companheiros que estão sofrendo. Os serviços abrangem desde a xícara de café até a Sede de Serviços Gerais, para a ação nacional e internacional.
Precisamos ficar atentos ao crescimento de A.A. que está indiretamente ligado ao esforço pessoal de cada um de seus membros. Acreditamos ser este o momento em que passaremos a ter muito trabalho pela frente.
Como mulher alcoólica participante da Irmandade, sei que a caminhada é longa, é árdua, mas gratificante. O apoio e incentivo dos companheiros nos ajudam a fortalecer os laços que nos unem, seguindo juntos homens e mulheres com um só objetivo: "Precisamos levar a mensagem de A.A., caso contrário, nós podemos cair e aqueles a quem não chegou ainda a verdade, podem morrer".
A mulher desperta para o Terceiro Legado, compreendendo que este faz parte da sua recuperação e que o serviço é absolutamente necessário. Sua realização depende da disponibilidade e capacidade de cada um exercê-lo e não por ser do sexo feminino ou masculino.
Nos Estados Unidos, de 1941 a 1945, as primeiras mulheres alcoólicas começaram a chegar. No início o principal preconceito era das próprias mulheres e, com o tempo, pelo exemplo de sucesso das poucas que haviam ingressado, a situação mudou para melhor. Hoje, de cada quatro alcoólicos que chegam às nossas salas, um é do sexo feminino; e já existem mulheres ocupando encargos de Custódio Classe B.
No entanto, aqui no Brasil, apesar de "aparentemente não haver nenhum tipo de barreira contra a mulher dentro de A.A. por parte dos companheiros, e o número de membros femininos ter aumentado significativamente, ainda são muito raras as mulheres que exercem encargos dentro da estrutura de serviços".
Essa comprovação pode ser facilmente obtida olhando-se para "quem representa o quê" nas reuniões do CRI, dos Distritos e Assembléias de Áreas. Também contam-se nos dedos as coordenadorias gerais de grupos exercidas por mulheres.
Numa primeira visão, um preconceito disfarçado parece ser uma das causas desta ausência. Os homens de A.A. aceitam a colaboração de companheiras, mas não confiam nelas para funções de maior importância.
Isto só, no entanto, não nos basta para responder a questão, pois cada vez que uma mulher se mostrou realmente decidida a ocupar o seu lugar na Irmandade, através do amor e dedicação ao serviço, os procedimentos " chauvinistas" anteriormente mencionados mostraram-se frágeis e quebradiços, diluindo-se rapidamente frente ao impacto do exemplo prático da eficiência.
Assim, podemos afirmar sem medo de errar que, exatamente como acontece com ambos os sexos, em qualquer situação da vida, o não desenvolvimento da alcoólica em recuperação com o serviço tem suas causas mais para dentro dela do que para fora.
Questão de educação? Problema cultural? Ou será a natural inércia que envolve a grande maioria dos chamados alcoólicos em recuperação, sejam eles homens ou mulheres, quando abandonam a bebida?
No entanto, independentemente das considerações filosóficas, uma coisa é certa: a qualidade da sobriedade da mulher ingressada em A.A. será sempre diretamente proporcional ao seu envolvimento com o serviço. Isso porque, assim como acontece com o elemento masculino, a posição de vidraça é de fundamental importância para que aprenda a guardar seu estilingue e, lutando contra uma tendência em todos nós quase irresistível, parar de fazer o destemido e minucioso inventário moral daqueles que a cercam, para se concentrar, por força de vê-los espelhados repetidamente em seus próprios erros.
Além disso, como a identificação é um fator primordial para que a alcoólica pense em abandonar a bebida, somente com as mulheres de A.A. trabalhando ativamente na divulgação de uma mensagem de esperança àquelas que ainda se debatem nas malhas da doença, é que poderemos receber em nossas salas cada vez mais doentes alcoólicos do sexo feminino.
Isso adquire importância ainda maior se considerarmos o enorme preconceito - este sim, realmente existe - da sociedade em relação à mulher que bebe excessivamente. Exemplificando: se estiver num local público, ou numa festa, ela será apontada como fácil e promíscua e provocará, no mínimo, um grande constrangimento.
Outra razão a ser focalizada para que a mulher seja estimulada a abraçar o Terceiro Legado, é o fato de que devido a nossa estrutura sócio-econômica, o homem muitas vezes tem que refazer a sua vida profissional e familiar, e mesmo assim encontra tempo disponível para desempenhar funções dentro da Irmandade. A mulher enfrenta a mesma situação ou tem, por responsabilidade a administração do lar, sobrando mais tempo disponível ainda.
Some-se a isso o fato de que, até por uma tendência sócio-cultural, a mulher é naturalmente mais sensível e perspicaz com relação às coisas da alma humana, podendo na maioria das vezes desempenhar junto à Irmandade em suas partes ou no todo, um papel de aglutinadora e harmonizadora de tendências e opiniões, às vezes desagradavelmente diversas entre si.
Unindo as caracteristicas femininas à prática do programa de A.A., a mulher pode, sem sombra de dúvida, ser por exemplo, uma excelente secretária de grupo ou de órgãos de serviços; na coordenação de reuniões a utilização dos mesmos atributos será por certo de grande valia para contornar situações delicadas de modo diplomático e eficaz. Com experiência acumulada pode também vir a ser uma excelente RV, RSG, MCD, Delegada, e até Custódio como já ocorre nas diversas partes do mundo.
Para isso, no entanto, ela não deve esquecer que enfrentará os mesmos percalços, embora atenuados pela filosofia imperante, e demais problemas inerentes à sua própria condição de mulher dentro da sociedade contemporânea e ao relacionamento entre pessoas de diferentes sexos. À medida que ela própria, em sua recuperação, diluir os preconceitos, caminhará para a autonomia andando com seus próprios pés.
As regras, no entanto, para o seu crescimento como pessoa e conseqüente abarcamento de maiores responsabilidades dentro de nossa estruturas de serviço, serão as mesmas válidas para os companheiros presentes na mesma luta que encontramos expostas clara e objetivamente nos conceitos para serviços mundiais, dos quais emprestamos os seguintes tópicos:
1. Bons líderes de serviço, bem como métodos sólidos e adequados para para sua escolha, são em todos os níveis indispensáveis para o nosso funcionamento e segurança no futuro.
2. Boa liderança pode estar aqui hoje e desaparecer amanhã. Boa liderança pode não funcionar bem em estruturas mal planejadas, mas a má liderança não funciona nem na melhor das estruturas. Daí o caráter periódico dos encargos.
3. Nossos líderes não atuam por mandatos, mas lideram pelo exemplo.
4. Portanto, o líder de serviço é um homem ou mulher que pode pessoalmente colocar planos e normas em ação, de maneira tão delicada e efetiva que leva o resto de nós a querer apoiá-lo e ajudá-lo nesta tarefa.
5. Um líder nunca se esquiva. Uma vez contando com o apoio da consciência coletiva, toma livremente decisões e as coloca em ação, sempre cuidando para não invadir a seara alheia.
6. Um líder tem que saber que mesmo as pessoas mais detestáveis podem estar certas, e as mais agradáveis erradas. Com isso, escutará cuidadosamente também o que dizem os criticos destrutivos, que às vezes podem ter razão.
7. O líder deve ter visão e habilidade de fazer boas estimativas tanto para o futuro imediato como para o futuro distante. Deve também ter firmeza para agir em função delas, mas pensando antes cuidadosamente.
8. O líder deve ter tolerância, responsabilidade, flexibilidade e visão, inclusive no que diz respeito à formação de novos líderes, apadrinhando novatos no serviço e não lhes negando o espaço necessário para seu desenvolvimento.
9. Deve-se selecionar a liderança na base de obter o melhor talento que possamos encontrar, sem pensar jamais em ambições pessoais.
10. O líder deve manter a cabeça aberta e praticar o programa para obter o melhor resultado.
Para aqueles que acham que a situação deve ficar como está e que nossa preocupação com a mulher em especial é uma invencionice sem sentido, pois A.A. não pode ser alterado em nada, lembro as palavras textuais no nosso co-fundador, Bill W., em sua última mensagem: "com o passar dos anos, A.A. deve e continuará a mudar; não podemos e nem devemos retroceder no tempo".
E ainda, do mesmo, na página 115 do livro "Na Opinião do Bill" quando fala da essência do crescimento: "Que nunca tenhamos medo de mudanças necessárias. Certamente temos que fazer a diferença entre mudanças para pior e mudanças para melhor. Mas desde que uma necessidade se torne bem aparente num indivíduo, num grupo, ou em A.A. como um todo, há muito já se verificou que não podemos ficar estacionários.
A essência de todo crescimento é uma "disposição de mudar para melhor e uma disposição incansável de aceitar qualquer responsabilidade que essa mudança implique".
(Marisa M./SP)
(Vivência nº 34 Mar/Abril 95)
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014
A Mulher e o Terceiro Legado
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